segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Diálogo por Rita Apoema...

— E você, por que desvia o olhar?


... (Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

— Ah. Porque eu sou tímida.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Rosa dos Ventos...

Do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde o seu desperta

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Assim que vi você logo vi que ia dar coisa coisa feita pra durar, batendo duro no peito até eu acabar virando alguma coisa parecida com você parecia ter saído de alguma lembrança antiga que eu nunca tinha vivido, mas ia viver um dia
alguma coisa perdida que eu nunca tinha tido
alguma voz amiga esquecida no meu ouvido
agora não tem mais jeito, carrego você no peito
poema na camiseta com a tua assinatura
já nem sei se é você mesmo ou se sou eu
que virei alguma coisa tua


Alice Ruiz

terça-feira, 26 de maio de 2009

por caio F.

chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo.
meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
a única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. a única magia que existe é a nossa incompreensão.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

quarta-feira, 20 de maio de 2009




Sebastian conheceu Isabelle na saída da estação de metrô de Hillhead, em Glasgow. Belle atormentou Sebastian, mas foi bom pra ele que ela tenha feito isso. Ela era muito legal e divertida, e cantava de um jeito doce. Sebastian, entretanto, não sabia disso. Sebastian era melancólico.

Ele tinha colocado um aviso no supermercado local. Estava procurando por músicos. Belle o viu fazendo isso. Por isso quis conhecê-lo. Ela foi andando direto até ele, silênciosa, e disse: Hey, você! - e perguntou se ele a ensinaria a tocar guitarra. Sebastian duvidou que pudesse ensinar algo a ela, mas ele admirou sua energia e disse '' sim!''

Foi estranho. Sebastian tinha dicidido ser um one-man-band. É quando você menos espera que algo acontece. Sebastian tinha feito amizade com uma raposa, porque ele esperava não ter nenhum novo amigo por um bom tempo. Ainda amava a raposa, mas agora tinha uma nova distração: de repente ele estava escrevendo várias novas canções. Sebastian escreveu suas melhores canções em 1995. De fato, a maioria de sua canções tem a palavra mil novecentos e noventa e cinco (nineteen ninety five) nelas. Isso o preocupou um pouco. O que aconteceria em 1996?

Eles faziam as canções na casa de Belle. Ela vivia com os pais e eles eram ricos o bastante pra ter um piano. Ele ficava numa sala só pra ele, nos fundos da casa, depois do jardim. Alí foi onde Belle pediu para Sebastian fingir. Se a mãe de Belle soubesse disso ela não ficaria feliz. Ela estava pagando por lições de guitarra. As ''lições'' deram à vida de Sebastian alguma estrutura. Ele até foi à barbearia cortar o cabelo!

Belle e Sebastian não estavam namorando. às vezes eles andavam de mãos dadas, mas isso era apenas uma mostra de solidariedade pública. Sebastian achava que Belle '''jogava no outro time''. Sebastian estava errado, mas ele nunca conseguia ver nada além de sua próxima balada triste. Belle tinha um bom gosto musical, e isso era ótimo! Ela era o queijo que faltava no seu macarrão. Belle e Sebastian não ligavam muito para bens materiais. Mas nem Belle nem Sebastian precisavam se preocupar sobre 'de onde viria a próxima refeição'. A canção mais recente de Belle se chama Rag Day. A de Sebastian é The Fox In The Snow.

Eles uma vez ficaram em seu café favorito por três dias inteiros, para recrutar uma banda. Você já viu The Magnificent Seven? Foi como aquilo, só que mais tediante. Eles ganharam muito peso e fizeram um monte de garçonetes como inimigas.

Belle está se saindo bem no colégio. E ela nem presta muita atenção nas aulas! Sebastian é mais velho do que parece. É mais estanho do que parece também. Mas ele tem um bom coração. E ele sempre cuida de Belle, mesmo que ela não precise disso. Se ele não fisesse música, seria motorista de ônibus ou desempregado. Provavelmente desempregado. Belle poderia fazer qualquer coisa. Boa aparência sempre abre muitas portas para uma garota.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Strip-Tease

Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum.
Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".
Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."
Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".
Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".
Por fim, a última peça caía, deixando-a nua "Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".
E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.

Martha Medeiros