terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Legend In My Time

If heartaches brought fame in love's crazy game,
I'd be a legend in my time.
If they gave gold statuettes for tears and regrets,
I'd be a legend in my time.
But they don't give awards, and there's no praise or fame
For hearts that are broken for love that's in vain.
If loneliness meant world acclaim,
Everyone would know my name
I'd be a legend in my time.



Johnny Cash.
tão bom viver dia a dia a vida assim,
jamais cansa
viver tão só de momentos
como estas nuvens no céu...

e só ganhar, toda a vida,
inexperiência... esperança
e a rosa louca dos ventos
presa à copa do chapéu.

nunca dês um nome a um rio:
sempre é outro rio a passar.
nada jamais continua,
tudo vai recomeçar!

e sem nenhuma lembrançadas
outras vezes perdidas,
atiro a rosa do sonho
nas tuas mãos distraídas...

mario quintana.

Carta do Ausente

Meus amigos, se durante meu recesso virem por acaso passar a minha amada peçam silêncio geral.
Depois apontem para o infinito.
Ela deve ir como uma sonâmbula, envolta numa aura de tristeza, pois seus olhos só verão a minha ausência.

Ela deve estar cega de tudo o que seja o meu amor (esse indizível amor que vive trancado em mim num cárcere mirando empós seu rastro).
Se for a tarde, comprem e desfolhem rosas à sua melancólica passagem, e se puderem entoem cantus-primus. Que cesse totalmente o tráfego e silencie as buzinas de modo que se ouça longamente o ruído de seus passos.

Ah, meus amigos, ponham as mãos em prece e roguem, não importa a que ser ou divindade por que bem haja a minha grande amada durante o meu recesso, pois sua vida é minha vida, sua morte a minha morte.

Sendo possível soltem pombas brancas em quantidade suficiente para que se faça em torno a suave penumbra que lhe apraz.
Se houver por perto um hi-fi, coloquem o "Noturno em sí bemol" de Chopin.

E se porventura ela se puser a chorar, oh recolham-lhe as lágrimas em pequenos frascos de opalina a me serem mandados regularmente pela mala diplomática.

Meus amigos, meus irmãos (e todos os que amam a minha poesia), se por acaso virem passar a minha amada salmodiem versos meus.
Ela estará sobre uma nuvem envolta numa aura de tristeza o coração em luz transverberado.

Ela é aquela que eu não pensava mais possível, nascida do meu desespero de não encontrá-la.
Ela é aquela por quem caminham as minhas pernas e para quem foram feitos os meus braços,
Ela é aquela que eu amo no meu tempo e que amarei na minha eternidade - A amada una e impretérita.

Por isso procedam com discrição mas eficiência: que ela não sinta o seu caminho, e que este, ademais ofereça a maior segurança.
Seria sem dúvida de grande acerto não se locomovesse ela de todo, de maneira a evitar os perigos inerentes às leis da gravidade e do momentum dos corpos, e principalmente aquele devidos à falibilidade dos reflexos humanos.
Sim, seria extremamente preferível se mantivesse ela reclusa em andar térreo e intramuros num ambiente azul de paz e música.

Oh, que ela evite sobretudo dirigir à noite e estar sujeita aos imprevistos da loucura dos tempos.
Que ela se proteja, a minha amada contra os males terríveis desta ausência com música e equanil.
Que ela pense, agora e sempre em mim, que longe dela ando vagando pelos jardins noturnos da paixão e da melancolia.
Que ela se defenda, a minha amiga, contra tudo que anda, voa, corre e nada; e que se lembre que devemos nos encontrar, e para tanto é preciso que estejamos íntegros, e acontece que os perigos são máximos, e o amor de repente de tão grande tornou tudo frágil, extremamente, extremamente frágil.




Vinicius de Moraes.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Bilhete com endereço

Mas onde já se ouviu falar
num amor á distância?

Num tele-amor ?!
Num amor de longe…

Eu sonho é um amor pertinho
Um amor juntinho...

E, depois,
Esse calor humano é uma coisa
Que todos - até os executivos - têm.


É algo que acaba se perdendo no ar,
No vento
No frio que agora faz…

Escuta!
O que eu quero,
O que eu amo,
O que eu desejo em ti

É teu calor animal!…




Mario Quintana(1906-1994)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O menino chegou na praia onde um templo cheio de sinos afundara no mar. Os pescadores diziam que, o movimento da água fazia os sinos tocarem, e era possível escutá-los. Ele ficou dias seguidos concentrado em qualquer ruído diferente do som das ondas e as gaivotas. Em algumas semanas, podia filtrar estes sons, mas não escutava os sinos. Os pescadores insistiam: “é possível!”. Mas o garoto não conseguiu, e resolveu voltar para casa.

Aproximou-se do oceano, para despedir-se. Olhou mais uma vez a natureza, e - como não estava mais preocupado com sinos - viu como era belo o ruído dos pássaros e das ondas. Sentiu-se descansado, agradeceu por estar vivo. E então, porque escutava o mar e as gaivotas, ouviu também o primeiro sino. E outro. E mais outro, até que todos os sinos do templo afundado tocaram para o seu deleite e alegria.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

c o m i d a d e s o n h o e d e v i d a

e era tanta comida...
em um recanto tão lindo,
frutas das quais nunca vi,
todos os tipos de queijos
pães e vinhos e água...

só sonho!


aí... cheguei aqui na internet e pesquisei o que seria isso
e dizem:

Sonhar com: Comida Geralmente indica fartura, novos romances, prosperidade.
\o/

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O Ensaio...


Ontem fui ao cinema ver este filme que espero a tanto tempo conferir nas telonas...
Que mágico!
Emocionante... Contorceu meu peito a todo o momento...
Quando lemos um livro imediatamente criamos cada qual, o cenário, os personagens a nossa maneira, mas sempre gostei de sentir uma adaptação dessas no cinema, gosto de ver como foi a imaginação e outro ponto de vista, misturando a vários outros, que fizeram este sair do papel proporcionar cores e imagens, e o Fernando Meirelles esta de parabéns!
Confesso que vi o trailer e me decepcionei até... Tinha achado muito futurista, aquele efeito de brilho difuso na película do filme todo, que apesar de ter uma simbologia muito clara... Era demais pra minha imaginação, que tinha composto tudo muito rústico e simples, ao ler... Mas foi surpreendente já nas primeiras cenas...

Eu considero esta obra de arte do Saramago... Um segundo “Pequeno Príncipe” um tapa na cara da nossa sociedade, dos nossos valores e conceitos morais... O que é esta vida?
Qual o sentido dela?

O que o Rei da Ala3, vai levar ao pedir pertences materiais?
O que você pensa que cegos presos em um sanatório vão querer com jóias, pra que eles vão usar?

E nós... Pra que, e pra onde, estamos correndo tanto de olhos fechados? Ensaiando?
...

...

Entre outras,
Obrigado Meirelles, não leia as criticas... Quem não gostou do filme, talvez não tenha intensificado a sensação...


E o obrigado eterno ao Saramago, este grande homem!
:)

O Amor Dos Homens
Na árvore em frente
Eu terei mandado instalar um alto-falante com que os passarinhos
Amplifiquem seus alegres cantos para o teu lânguido despertar.
Acordarás feliz sob o lençol de linho antigo
Com um raio de sol a brincar no talvegue de teus seios
E me darás a boca em flor; minhas mãos amantes
Te buscarão longamente e tu virás de longe, amiga
Do fundo do teu ser de sono e plumas
Para me receber; nossa fruição
Será serena e tarda, repousarei em ti
Como o homem sobre o seu túmulo, pois nada
Haverá fora de nós.
Nosso amor será simples e sem tempo.
Depois saudaremos a claridade.
Tu dirásBom dia ao teto que nos abriga
E ao espelho que recolhe a tua rápida nudez.
Em seguida teremos fome: haverá chá-da-índia
Para matar a nossa sede e mel
Para adoçar o nosso pão.
Satisfeitos, ficaremos
Como dois irmãos que se amam além do sangue
E fumaremos juntos o nosso primeiro cigarro matutino.
Só então nos separaremos.
Tu me perguntarás
E eu te responderei, a olhar com ternura as minhas pernas
Que o amor pacificou, lembrando-me que elas andaram muitas léguas de mulher
Até te descobrir.
Pensarei que tu és a flor extrema
Dessa desesperada minha busca; que em ti
Fez-se a unidade.
De repente, ficarei triste
E solitário como um homem, vagamente atento
Aos ruídos longínquos da cidade, enquanto te atarefas absurda
No teu cotidiano, perdida, ah tão perdida
De mim.
Sentirei alguma coisa que se fecha no meu peito
Como pesada porta.
Terei ciúme
Da luz que te configura e de ti mesma
Que te deixas viver, quando deveras
Seguir comigo como a jovem árvore na corrente de um rio
Em demanda do abismo.
Vem-me a angústia
Do limite que nos antagoniza.
Vejo a redoma de ar
Que te circunda – o espaço
Que separa os nossos tempos.
Tua forma
É outra: bela demais, talvez, para poder
Ser totalmente minha.
Tua respiração
Obedece a um ritmo diverso.
Tu és mulher.
Tu tens seios, lágrimas e pétalas.
À tua volta
O ar se faz aroma.
Fora de mim
És pura imagem; em mim
És como um pássaro que eu subjugo, como um pão
Que eu mastigo, como uma secreta fonte entreaberta
Em que bebo, como um resto de nuvem
Sobre que me repouso.
Mas nada
Consegue arrancar-te à tua obstinação
Em ser, fora de mim – e eu sofro, amada
De não me seres mais.
Mas tudo é nada.
Olho de súbito tua face, onde há gravada
Toda a história da vida, teu corpo
Rompendo em flores, teu ventre
Fértil. Move-te
Uma infinita paciência.
Na concha do teu sexo
Estou eu, meus poemas, minhas dores
Minhas ressurreições.
Teus seios
São cântaros de leite com que matas
A fome universal.
És mulher
Como folha, como flor e como fruto
E eu sou apenas só.
Escravizado em ti
Despeço-me de mim, sigo caminhando à tua grande
Pequenina sombra.
Vou ver-te tomar banho
Lavar de ti o que restou do nosso amor
Enquanto busco em minha mente algo que te dizer
De estupefaciente.
Mas tudo é nada.
São teus gestos que falam, a contração
Dos lábios de maneira a esticar melhor a pele
Para passar o creme, a boca
Levemente entreaberta com que mistificar melhor a eterna imagem
No eterno espelho.
E então, desesperado
Parto de ti, sou caçador de tigres em Bengala
Alpinista no Tibet, monje em Cintra, espeleólogo
Na Patagônia.
Passo três meses
Numa jangada em pleno oceano para
Provar a origem polinésica dos maias.
Alimento-me
De plancto, converso com as gaivotas, deito ao mar poesia engarrafada, acabo
Naufragando nas costas de Antofagasta.
Time, Life e Paris-Match
Dedicam-me enormes reportagens.
Fazem-me
O "Homem do Ano" e candidato certo ao Prêmio Nobel.
Mas eis comes um pêssego.
Teu lábioInferior dobra-se sob a polpa, o suco
Escorre pelo teu queixo, cai uma gota no teu seio
E tu te ris.
Teu riso
Desagrega os átomos.
O espelho pulveriza-se, funde-se o cano de descarga
Quantidades insuspeitadas de estrôncio-90
Acumulam-se nas camadas superiores do banheiro
Só os genes de meus tataranetos poderão dar prova cabal de tua imensa
Radioatividade.
Tu te ris, amiga
E me beijas sabendo a pêssego.
E eu te amo
De morrer.
Interiormente
Procuro afastar meus receios: "Não, ela me ama..."
Digo-me, para me convencer, enquanto sinto
Teus seios despontarem em minhas rnãos
E se crisparem tuas nádegas.
Queres ficar grávida
Imediatamente.
Há em ti um desejo súbito de alcachofras.
Desejarias
Fazer o parto-sem-dor à luz da teoria dos reflexos condicionados
De Pavlov.
Depois, sorrindo
Silencias.
Odeio o teu silêncio
Que não me pertence, que não é
De ninguém: teu silêncio
Povoado de memórias.
Esbofeteio-te
E vou correndo cortar o pulso com gilete-azul; meu sangue
Flui como um pedido de perdão.
Abres tua caixa de costura
E coses com linha amarela o meu pulso abandonado, que é para
Combinar bem as cores; em seguida
Fazes-me sugar tua carótida, numa longa, lenta
Transfusão.
Eu convalescente
Começas a sair: foste ao cabeleireiro.
Perscruto em tua face.
Sinto-me
Traído, delinqüescente, em ponto de lágrimas.
Mas te aproximas
Só com o casaco do pijama e pousas
Minha mão na tua perna.
E então eu canto:
Tu és a mulher amada: destrói-me!
Tua beleza
Corrói minha carne como um ácido!
Teu signo
É o da destruição!
Nada restaDepois de ti senão ruínas!
Tu és o sentimento
De todo o meu inútil, a causa
De minha intolerável permanência!
Tu és
Uma contrafação da aurora!
Amor, amada
Abençoada sejas: tu e a tua
Impassibilidade.
Abençoada sejas
Tu que crias a vertigem na calma, a calma
No seio da paixão.
Bendita sejas
Tu que deixas o homem nu diante de si mesmo, que arrasas
Os alicerces do cotidiano.
Mágica é tua face
Dentro da grande treva da existência.
Sim, mágica
É a face da que não quer senão o abismo
Do ser amado.
Exista ela para desmentir
A falsa mulher, a que se veste de inúteis panos
E inúteis danos.
Possa ela, cada dia
Renovar o tempo, transformar
Uma hora num minuto.
Seja ela
A que nega toda a vaidade, a que constrói
Todo o silêncio.
Caminhe ela
Lado a lado do homem em sua antiga, solitária marcha
Para o desconhecido – esse eterno par
Com que começa e finda o mundo – ela que agora
Longe de mim, perto de mim, vivendo
Da constante presença da minha saudade
É mais do que nunca a minha amada: a minha amada e a minha amiga
A que me cobre de óleos santos e é portadora dos meus cantos
A minha amiga nunca superável
A minha inseparável inimiga.
Vinicius de Moraes, Paris 07.1957

quinta-feira, 9 de outubro de 2008


ôia eu e meu ego! e uma cara de sono :)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

"Só quem tem um caos dentro de si poderá dar à luz uma estrela bailarina"

nietzsche

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Salvação

Estar a salvo, não é se salvar

Como um navegador que vai até onde dá

Você tem que ser livre para o que pintar

Nenhuma pessoa é lugar de repouso,

Juntos chegaremos lá!






Nei Duclós


terça-feira, 20 de maio de 2008

Cada qual tem o seu álcool.
Tenho álcool bastante em existir.
Bêbada de me sentir, vagueio e ando certo.
Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outra.
Se não são horas, vou até o rio fitar o rio, como qualquer outra.
Sou igual.
E por detrás disso, céu meu, constelo-me às escondidas
... e tenho o meu infinito.

Pessoa.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

SEPARAÇÃO

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável.

No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo.
Ela o olhava com um olhar intenso onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória.
Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa.Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer.
Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles das mundos que eram ele e ela.
Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se multo longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela.Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca.
Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais.
E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos.

Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.

De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde…








Vinicius de Moraes

domingo, 11 de maio de 2008

Certo dia, num mosteiro zen-budista, com a morte do guardião foi preciso encontrar um substituto. O grande Mestre convocou então todos os discípulos para determinar quem seria o novo sentinela. O Mestre, com muita tranqüilidade, falou:

- "Assumirá o posto o primeiro monge que resolver o problema que vou apresentar."
Então, ele colocou uma mesinha magnífica no centro da enorme sala em que estavam reunidos e, em cima dela, pôs um vaso de porcelana muito raro, com uma rosa amarela de extraordinária beleza a enfeitá-lo e disse apenas:

- "Aqui está o problema!" Todos ficaram olhando a cena. O vaso belíssimo, de valor inestimável, com a maravilhosa flor ao centro. O que representaria? O que fazer? Qual o enigma?
Nesse instante, um dos discípulos sacou a espada, olhou o Mestre, os companheiros, dirigiu-se ao centro da sala e ... ZAPT ... destruiu tudo, com um só golpe. Tão logo o discípulo retornou a seu lugar, o Mestre disse:

- "Você será o novo Guardião do Castelo."




sábado, 10 de maio de 2008

Feitio de oração

Quem acha vive se perdendo
Por isso agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que, por infelicidade,
Meu pobre peito invade

Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia
Por isso agora lá na Penha
Vou mandar minha morena
Pra cantar com satisfação

E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba em feito de oração

O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce do coração.


Noel Rosa

quinta-feira, 8 de maio de 2008



haha
Pinta como eu pinto ;)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Tabacaria



Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo. Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.

Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.

Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,

Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira talvez fosse feliz.)

Visto, levanto-me da cadeira.
Vou á janela.
0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. (0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!
E o universo Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.